terça-feira, 24 de agosto de 2010

Estudo Comentado - II




Texto: Perspectivas Sobre a Questão Alemã (ARENDT, Hannah. Compreensão e Política e Outros Ensaios 1930-1954. Relógio D'Agua, 2001).

Redigido no inverno de 1945, esse texto problematiza sobre a confusão reinante ao se referir a Alemanha nazista frente ao horror que encontrou-se após a vitória dos países Aliados, mas não apenas aos termos usados para classificar os crimes e sim, também, de que maneira apresentar isso ao mundo. O caráter nacional alemão se torna um problema. Deixem-me ser mais claro. Após a derrota da Alemanha quando os países, em sua totalidade, souberam dos campos de concentração e especialmente dos campos de morte, ficaram surpresos e estupefatos, se assim pode-se afirmar, com o que realmente estava acontecendo. A própria realidade era aterradora. Países como a França, que colaboraram ativamente com o envio de judeus de volta para a Alemanha, sabiam que esses judeus estavam sendo enviados pra morte. Logo que os fatos começaram a aparecer após o término da guerra, era preciso que, segundo Arendt, “a questão alemã, tal como dela hoje se fala, foi desenterrada do passado, e se é reduzida hoje ao problema da agressão alemã, é porque continua a acalentar-se a esperança de uma restauração do status quo na Europa. Para isso, frente à guerra civil que o continente, começou por parecer necessário 'restaurar' a idéia de guerra no sentido do século XIX: conflito de ordem puramente nacional, onde são mais países que movimentos, mais povos que governos, a sofrer as derrotas e obter as vitórias”(p.41).
O pano de fundo da discussão do texto é a restauração da imagem da Europa frente aos demais países e a forma como se tentou encobrir a realidade do que aconteceu na Alemanha nazista. E nesse sentido Arendt descreve o papel crucial que a propaganda teve, sendo utilizada pela política para formar opiniões no sentido de fornecer orientações e também para encobrir os fatos tal como aconteceram. A propaganda foi utilizar por Hitler para espalhar o preconceito principalmente sobre os judeus e depois a Europa como um todo viria a servir-se para encobrir os mesmos crimes a favor de sua imagem. Para além disso está o fato inegável e que venho salientando praticamente em todas as publicações e comentários de textos que faço, do caráter de novidade do totalitarismo. “Só os especialistas, demasiado apegados à letra do discurso ou do texto e ao mesmo tempo incapazes de compreender as realidades políticas, levaram a sério as declarações dos nazis, e as interpretaram como derivadas de certas tradições alemãs ou européias. Muito pelo contrário, o nazismo significa de fato a derrocada de todas as tradições alemãs e europeias, das boas como das más”(p. 46).




Foi certamente a fragmentação do chamado caráter nacional alemão que deve chamar mais nossa atenção, somado ao fato “ mais grave ainda: é que o homem que tomou o lugar do alemão – ou seja, esse tipo de homem que, quando se apercebe do perigo de destruição absoluta, decide torar-se ele próprio uma força destrutiva – transborda as fronteiras da Alemanha” (p.48). O estado nacional que representava simbolicamente a soberania do povo, que garantia sua segurança, estava cada vez mais distante disso. Era o próprio problema da estrutura de classes que transbordava por toda a Europa. “E a essa verdade do declínio do estado nacional, foi dada como resposta a famosa mentira da 'Nova Ordem' da Europa, que degradava os povos em raças, e os preparava para o extermínio” (p.49).
O problema principal que resulta no pós-guerra não é pois o da “questão alemã”, e sim na verdade, “a crise, em todo o continente da organização em estados” (p.51). O artigo problematiza ainda sobre a reconstrução da Europa, das dificuldades que os governos exilados em fazer o tão necessário renascimento político. Gostaria de parar por aqui, pois, minha intenção, nesses Estudos Comentados, é apresentar ao leitor um idéia do artigo em questão. Arendt ainda irá tratar, sucintamente, sobre as questões dos movimentos clandestino, da assimilação e claro da reconstrução da Europa.
Aguardo comentários!
No próximo post damos continuidade a apresentação da vida de Arendt.