sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


                      Aos leitores: estou voltado a postar a biografia de Hannah Arendt, bem como artigos e escritos sobre essa autora de grande renome. O artigo abaixo foi escrito ainda na graduação. Aguardo severas críticas!



Uma interpretação voltada para a Educação e o Ensino de Filosofia a partir do artigo A crise na Educação de Hannah Arendt




Resumo

Muito se fala sobre educação e sobre ensino, mas pouco se discute os pressupostos destes dois conceitos. Hannah Arendt, identificando os problemas presentes em seu tempo no sistema escolar, vai às raízes do problema e nos introduz no tema da educação. O artigo A Crise da educação, dentro da obra Entre o passado e o futuro, traz um problema específico: a crise crescente nos padrões do sistema escolar. Arendt aborda o problema especifico da educação Americana das crianças, mas não se restringe a ele e ajuda-nos a entender as bases do próprio ensino.

Palavras Chave: educação, política, educador, educando.

Arendt constata que há uma crise repetitiva nos padrões do sistema escolar. E esta crise possui um caráter político por que na América ela se torna um fator na política. Segundo Arendt, “a essência da educação é a natalidade, o fato de que seres nascem para o mundo” (2003, p. 223).
A imigração na América traz um problema: as crianças, os filhos de imigrantes, têm de ser introduzidos na escola e a nova língua assimilada. A imigração ocorre devido ao lema americano ser o da eliminação da pobreza e opressão. A atenção do governo se volta para aqueles que são os recém-chegados no mundo, as crianças e jovens.
A influência de Rousseau fica subtendida, segundo Arendt, pois a educação se torna um instrumento para a política e a atividade política é idealizada como uma forma de educação. A autora é categórica ao entender que a educação não pode desempenhar nenhum papel na política. Pois na política se lida com aqueles que já estão educados: os adultos.
É importante considerar que é próprio da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo. E que há sempre uma nova geração em mundo que é antigo para eles. Quando se usa da educação para fins políticos, estamos arrancando a possibilidade dos recém-chegados à oportunidade face ao novo.
Esqueceu-se que este mundo em que são educadas as crianças e jovens é um mundo velho. E que são eles que representam o novo. Teorias educacionais foram criadas e testadas em diversos paises da Europa e na América.
O que aconteceu, segundo Arendt, foi que o bom senso falhou. Justamente porque os países confiaram demasiadamente no bom senso para a vida política. Consequentemente para a educação, que estava envolta na política, o mesmo ocorreu. Sempre que o juízo humano falha em oferecer respostas em questões políticas, ocorre uma crise.
Esse juízo pode ser entendido como senso comum. O desaparecimento do senso comum é a crise por qual estamos passando, retrata a autora. A falência do bom senso nos aponta onde ocorreu a crise. Na política ocidental o que impera é o conceito de igualdade. Quaisquer diferenças devem ser postas de lado, seja entre os jovens e idosos ou entre crianças e adultos.
Na educação, a idéia de igualdade, recai diretamente nas costas da autoridade do professor. Esse fator pode trazer benefícios. Mas o que nos interessa é prosseguir na busca pela crise na educação. As medidas que foram tomadas nas escolas, segundo Arendt, dizem respeito a três hipóteses básicas:

[...] O primeiro é o de que existe um mundo das crianças e uma sociedade formadas entre crianças, autônomos e que se deve, na medida do possível, permitir que elas governem. Os adultos aí estão para auxiliar este governo. A autoridade que diz ás crianças individualmente o que fazer e o que não fazer repousa no próprio grupo de crianças – e isso, entre outras conseqüências, gera uma situação em que o adulto se acha impotente ante a criança individual e sem contato com ela. Ele apenas pode dizer-lhe que faça aquilo que lhe agrada e evitar que o pior aconteça [...]. (2003, p. 230).

A autoridade de qualquer grupo é sempre mais forte do que a de um indivíduo. A criança se encontra numa situação complicada individualmente, de uma minoria contra a maioria. Com esta nova estrutura de educação, a criança foi emancipada do mundo dos adultos ficando a mercê do grupo ou de si mesmas.
O que acontece às crianças e jovens numa situação dessas é o conformismo ou o crime juvenil. Dessa forma, segundo Arendt:

[...] O segundo pressuposto básico que veio à tona na presente crise tem a ver com o ensino. Sob a influencia da Psicologia moderna e dos princípios do Pragmatismo, a Pedagogia transformou-se em uma ciência do ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matéria efetiva a ser ensinada. Um professor, pensava-se, é um homem que pode simplesmente ensinar qualquer coisa; sua formação é o ensino e não o domínio de qualquer assunto particular. [...]. (2003, p. 231).

Dessa forma não somente a criança é abandonada, mas também o professor fica abandonado acerca do conhecimento. O professor, não sendo mais uma autoridade, deixa de ser eficaz. Para Arendt:

[...] Era muito simplesmente a aplicação do terceiro pressuposto básico em nosso contexto, um pressuposto que o mundo moderno defendeu durante séculos e que encontrou expressão conceitual sistemática no Pragmatismo. Esse pressuposto básico é o de que só é possível conhecer e compreender aquilo que nós mesmos fizemos, e sua aplicação à educação é tão primária quanto óbvia: consiste em substituir, na medida do possível, o aprendizado pelo fazer. [...]. (2003, p. 231)

O professor não deveria transmitir um conhecimento congelado e sim demonstrar como o saber é produzido. Para a criança acontecia a substituição do estudo da gramática, por exemplo, pelo exercício da fala. Pensava-se que a atividade característica da criança era a de brincar. Então, a criança era forçada à passividade. Negando-se que ela desenvolve-se suas próprias iniciativas lúdicas.
O mundo da infância era estendido continuamente e o que deveria preparar as crianças para o mundo dos adultos, a saber, o trabalho, era negado. A criança é excluída do mundo dos adultos e presa artificialmente em seu próprio mundo. O relacionamento de ensino e aprendizagem entre crianças e adultos é extinto.
A crise na educação, segundo a autora, resulta do reconhecimento dessas hipóteses e de uma tentativa frustrada de reformar o ensino escolar. O que acontecerá é uma restauração do antigo ensino. O que nos interessa aqui é perceber quais os aspectos do mundo moderno que revelaram a crise e o que implica na própria educação.
Arendt inicia a discussão pela segunda questão, elucidando que a educação se renova com a vinda de novos seres. O novo ser, a criança, é o objeto da educação e possui para o professor um “duplo aspecto: é nova em um mundo que lhe é estranho e se encontra em processo de formação; é um novo ser humano e é um ser humano em formação” (ARENDT, p. 234).
Esse duplo aspecto corresponde com o relacionamento do mundo de um lado e da vida de outro lado. A criança está num estado de vir a ser. Ela é nova em um mundo que é velho. Os pais inseriram a criança em um mundo, assumindo na educação a responsabilidade pela vida e desenvolvimento da criança.
Isso pode acarretar em conflito, pois a criança precisa ser protegida do mundo e o mundo, que é velho, precisa de proteção contra o novo, à criança. A proteção contra o mundo se dá na família, a vida privada. Ela deve ser oculta do mundo, pois este não lhe oferece segurança nem atenção.
O público, o mundo, quando invade o privado, a família, faz com que as crianças não tenham um lugar seguro onde possam crescer e desenvolver suas habilidades. Quando se tenta estabelecer um mundo público entre as crianças, se está forçando que estas se exponham ao mundo publico.
Isso acontece com a educação moderna, quando tenta estabelecer um mundo de crianças e ou jovens, destruindo as condições necessárias ao seu crescimento essencial. Cabe-nos perguntar, segundo Arendt:

[...] Como pôde então acontecer que as mais elementares condições de vida necessárias ao crescimento e desenvolvimento da criança fossem desprezadas ou simplesmente ignoradas Como pôde acontecer que se expusesse à criança aquilo que, mais que qualquer outra coisa, caracterizava o mundo adulto, o seu aspecto público, logo após se ter chegado a conclusão de que o erro em toda a educação passada fora ver a criança como não sendo mais que um adulto em tamanho reduzido [...]. (2003, p. 237).

Mas os motivos não devem ser procurados na educação e sim nos preconceitos e bom senso acerca da natureza da vida privada e do mundo público e sua relação recíproca. Quando os educadores da modernidade tentaram embasar a educação sob esse pressuposto moderno.
O que aconteceu foi que a sociedade emancipou a vida terrena e a família, considerados bens supremos pela sociedade moderna, e as atividades envolvidas em sua salvaguarda do ocultamento da vida privada, exibindo-a ao mundo público. Os últimos a serem emancipados forram as crianças.
O problemas decorrente é que as crianças ainda estão em crescimento vital e de formação de personalidade. Introduziu-se o social entre o publico e o privado tornado as coisas difíceis para as crianças e jovens, que pedem ocultamento devido ao seu amadurecimento. Mas o que foi feito em termos de teorias educacionais e ocasionou esta crise, foi realizado tento em vista o bem-estar da criança e dos jovens.
A tarefa da escola é o de ensino e aprendizagem. Normalmente a criança é introduzida no mundo pela primeira vez através da escola. Mas a escola não é o mundo e nem deve fingir sê-lo. A escola é uma “instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo, com o fito de fazer com que seja possível a transição de alguma forma da família para o mundo” (ARENDT, 2003, p. 238).
O adulto assume responsabilidade pela criança, não pelo seu aumento vital, mas pelo livre desenvolvimento de qualidades e talentos especiais. Os adultos introduzem as crianças e os jovens aos poucos no mundo. Segundo Arendt:

[...] Em todo caso, todavia, o educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade, embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é. Essa responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores ela está implícita no fato de que os jovens são introduzidos por adultos em mundo em continua mudança. Qualquer pessoa que se recuse a assumir responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação [...]. (2003, p. 239).


A responsabilidade pelo mundo, na educação, assume a forma de autoridade. Mas não se confunda a autoridade do professor com sua qualificação. Embora se necessite de ambas para lidar com a educação. A qualificação incide em conhecer o mudo e ser capaz de ensinar os outros a cerca dele. A autoridade é quando se assume este mundo.
O educador aparece como um representante de todos os adultos. O que está acontecendo na modernidade é que a responsabilidade está sendo rejeitada, segundo a autora. Consequentemente acontece a perda de autoridade. Os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo o qual trouxeram as crianças.
Tem-se considerado as crianças como uma minoria oprimida e que necessita de libertação. De outro lado dois fatores são importantes a serem considerados: o primeiro é o de que sempre se considerou a autoridade de pais sobre filhos e professores sobre alunos como algo inquestionável e o segundo é o de que existe uma superioridade temporária na criação de filhos.
Esses modelos de pensamente são de tempos imemoriais e agora eles entraram em choque. Os conflitos iminentes e contraditórios são: no primeiro caso que essa superioridade absoluta entre adultos não deveria existir e no segundo caso que não pode existir uma superioridade temporária na criação de filhos.
A crise que advém da política afeta justamente estes dois pontos e desemboca diretamente na esfera privada, a família. Onde os pais perdem autoridade e se recusam a assumir responsabilidade pelo mundo. As teorias educacionais assumem uma postura revolucionária. Mas mesmo com esse espírito revolucionário, não se pensou em revolucionar a educação na América.
Permaneceu-se conservador em matéria de educação. Para a autora, quando se fala de conservadorismo em sentido de conservação se discute algo que é essencial e faz parte da atividade educacional. Pois a educação sempre abriga e protege alguma coisa, seja a criança contra o mundo ou o mundo contra a criança. Mesmo a responsabilidade implica em uma atitude conservadora. Para Arendt:

[...] Basicamente, estamos sempre educando para um mundo que ou já está fora dos eixos ou para aí caminha, pois é esta a situação humana básica, em que o mundo é criado por mãos mortais e serve de lar aos mortais durante tempo limitado... Para preservar o mundo contra a mortalidade de seus criadores e habitantes, ele deve ser, continuamente, posto em ordem. O problema é simplesmente educar de tal modo que um por-em-ordem continue sendo efetivamente possível, ainda que nunca, é claro, ser assegurado [...]. (2003, p. 243).

Cada geração representa aquilo que é novo e nos trás esperanças. Mas não podemos querer controlar os novos no mundo, segundo Arendt:

[...] Exatamente em beneficio daquilo que é novo é que a educação precisa ser conservadora ela deve preservar essa novidade e introduzi-la como algo novo em um mundo velho, que, por mais revolucionário que possa ser em suas ações, é sempre do ponto de vista da geração seguinte, obsoleto e rente á destruição. A verdadeira dificuldade na educação moderna está no fato de que, a despeito de toda a conversa da moda acerca de um novo conservadorismo, até mesmo aquele mínimo de conservação e de atitude conservadora sem o qual a educação simplesmente não é possível se torna, em nossos dias, extraordinariamente difícil de atingir [...]. (2003, p. 243).

A crise da autoridade na educação que nos assola possui intima ligação com a crise da tradição, de nossa postura frente ao passado. Para o educador, que é o mediador entre o velho e o novo, esse aspecto é de certa maneira difícil de lidar. Pois sua profissão exige certo respeito pelo passado.
Na crise que nos encontramos não se pode simplesmente seguir em frente nem voltarmos para trás. Defrontamos-nos nesta crise na educação com o “fato de, por sua natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado pela autoridade nem tampouco mantido pela tradição” (ARENDT, 2003, p. 245).
É necessário divorciar o âmbito da educação dos demais, principalmente da vida pública e política. Uma atitude sensata por parte da escola, sendo sua maior função, seja a de ensinar como o mundo é, e não instruir as crianças e jovens na arte de viver. Pois o mundo em que elas vivem é velho e a aprendizagem sempre se volta de qualquer maneira para o passado.
Outra atitude importante é que se deve entender que “a linha traçada entre crianças e adultos deveria significar que não se pode nem educar adultos nem tratar crianças como se elas fossem maduras” (ARENDT, 2003, p. 246). A educação, diferente da aprendizagem, tem que ter um final previsível. Não deixando, é claro, de dar a devida importância à aprendizagem.
Não se pode educar sem ensinar e esta é a condição para que o educador perceba sua responsabilidade e, segundo Arendt:

[...] O que nos diz respeito, e que não podemos, portanto delegar a ciência da Pedagogia é a relação entre adultos e crianças em geral, ou... nossa atitude face ao fato da natalidade: o fato de todos nós virmos ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado mediante o nascimento. A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salva-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. [...] (2003, p. 247).

Bibliografia
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003 5ªed.
HERMENAU, Frank. “No fundo, educamos desde sempre para um mundo saído de seus eixos”: sobre a relação entre política e educação em Immanuel Kant e Hannah Arendt. In: DALBOSCO, Cláudio Almir (org.). Filosofia prática e pedagogia. Passo Fundo: UPF, 2003.
HERMENAU, Frank. Agir no espaço pedagógico: distinções segundo Hannah Arendt. In: DALBOSCO, Cláudio Almir; FLICKINGER, Hans-Georg (orgs). Passo Fundo: UPF, 2005.