segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Biografia IX

                    Daremos continuidade à apresentação da vida de Hannah. Estou aberto a sugestões de textos para comentar e ou conceitos para abordar. Abraços a todos e obrigado!

I – Biografia IX

Günther e Hannah passam a ter brigas mais frenquentes e ela comenta com seus amigos mais íntimos que ao final até mesmo a presença física dele a incomodava. Por esse período, após longa data sem ver Heidegger, eles passam um pelo outro na estação de trem e Heidegger finge que não a viu. Nas correspondências entre os dois ela o perdoa por tal gesto.
Hannah, a partir de 1930, começa a ver o sionismo como engajamento político. Para ela a questão não é: como ou por que nos tornamos uma pessoa engajada. Mas: como pode acontecer de não o sermos? Ela milita em uma organização judaica presidida por Kurt Blumenfeld a favor do sionismo alemão e Günther cria um grupo intelectual. Porém ela não fará parte do movimento propriamente dito, mas se engajará por amizade a seu lado.
Em 1933 será o ano em que Hannah romperá definitivamente com Heidegger. Não nos cabe aqui julgar sobre quem estava certo, mas sim compreender. Compreender que foi até o final da vida o imperativo da vida de Arendt.  Heidegger se torna nazista e aceita ser reitor da Universidade  de Freiburg em abril de 1933.  Pronuncia discursos nazistas. Ao que se sabe nunca se arrependeu, ao menos publicamente. Isso não impede de se considerar sua obra uma das mais inovadoras do século XX.

Desde 1930 Jaspers diz se sentir velho e cansado e incita Heidegger a renovar a Academia. Certamente não era no nazismo que Jaspers via a renovação. Heidegger se refugia em seu chalé e trabalha sem parar. Em uma carta ele pergunta a Jaspers: “Será que conseguiremos fazer, para as próximas décadas, um solo e um espaço para a filosofia, e que homens virão trazendo em si uma injunção distante?”.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Preconceito e Política

Senhoras e Senhores! Publicando de tempos em tempos, mas sempre refletindo junto com Hannah Arendt. Aguardo, como sempre, severas e tortuosas críticas. Esse pequeno texto foi escrito quando apresentei uma comunicação em um Colóquio. Abraços!


O Problema (Político) do Preconceito



Abordar a questão do preconceito no sentido político do termo, ou seja, no sentido do compartilhamento do espaço público em que vivemos requer que mantenha-mos uma distância, nada segura, daquilo que se denomina de privado. Nada segura, pois o preconceito se manifesta também e talvez principalmente na esfera privada da vida. Ao proferirmos a palavra preconceito estamos nos referindo a algo que só existe e é relacionado quando se refere a uma época e uma sociedade, ou seja, algo que diz respeito aquilo que se construiu culturalmente e em conjunto. Para tal empreitada será através dos textos de Hannah Arendt que nos moveremos. A escolha da autora também está diretamente relacionado com o tema em questão. Hannah Arendt, que nasceu na Alemanha, foi uma fugitiva da perseguição nazista, pois era judia. Suas obras refletem, do início ao fim e com grande maestria, a problemática do totalitarismo, ou seja, dos estados baseados na ideologia e no terror como nova forma de governo. Como é de conhecimento, os estados totalitários, e aqui principalmente em sua vertente nazista,  perseguiram e exterminaram sistematicamente negros, ciganos, homossexuais, judeus, entre outros, em nome da “purificação da raça”, um absurdo que deve ser lembrado para que jamais se repita na humanidade. Pensamos ser importante que o leitor tenha em mente o que mencionamos acima para que possa entender o porque  da escolha da autora em questão para se tratar de um tema que hoje parece estar como que em voga: o preconceito.

Começamos nosso trabalho com uma pergunta que deve nortear nossa empreitada: quais as características do que chamamos de preconceito? Para a autora preconceito é algo de que compartilhamos uns com os outros e “representa em si algo político no sentido mais amplo da palavra -  ou seja, algo a se constituir num componente integral da questão humana, em cuja órbita nos movemos a cada dia”[1], algo que faz parte do cotidiano. Ao tratar da questão do preconceito em relação a política, Arendt afirma que: “nenhum homem pode viver sem preconceitos, não apenas porque não teria inteligência ou conhecimento suficiente para julgar de novo tudo que exigisse um juízo seu no decorrer de sua vida, mas sim porque tal falta de preconceito requereria um estado de alerta sobre-humano”[2]. A primeira conclusão que podemos tirar dos trechos acima é que os preconceitos fazem parte da vida do homem, como algo inerente ao fato do homem compartilhar o mundo com seus semelhantes. Se o preconceito não deve ser motivo de espanto então quando é que ele passa ser motivo de preocupação? Ou, dito de outra forma, quando é que o preconceito passa a ter relevância na convivência entre os homens? E pensamos que é na própria questão da convivência que encontramos algumas pistas.

Para responder as questões levantadas, nos reportamos ao fato do homem compartilhar um mundo com os demais seres humanos em sua pluralidade, ou seja, ao fato de que não é o homem que habita o mundo, mas sim os homens, com sua igualdade e diversidade. “A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se a si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender. Com simples sinais e sons. Poderiam comunicar suas necessidades imediatas e idênticas”[3]. A ação é, para Arendt, uma atividade humana fundamental, responsável pela formação e preservação de corpos políticos. O homem só é capaz da ação quando possui, para tal, um lugar assegurado, o espaço público-político, espaço em que se distingue dos demais, que revela sua singularidade. É na modalidade da ação e do discurso que o homem percebe e é percebido pelos demais.

Como mencionamos acima, é na convivência humana, no fato da pluralidade que começamos a entrever algumas respostas, a saber, que é necessário um espaço público-político para que o homem possa, em sua igualdade perante os demais, mostrar-se em sua diferença. Ou seja, para que possamos falar em política, temos que garantir que toda a diferença possa ser respeitada. Todo homem, em sua singularidade e em sua igualdade, deve ter sua vez para poder mostrar quem inconfundivelmente é através do discurso e da ação. Se todo preconceito é como que um juízo pré-formado o espaço público-político, o espaço do discurso e da ação, a troca de opiniões, ou de formação de juízos, é o momento em levamos em conta a consideração do ponto de vista de outras pessoas e somos capazes de julgar novamente aquilo que tínhamos como certo ou errado, bem como formar novos juízos. É o momento que o preconceito sobre algo pode mudar. Certamente, quando não encontramos um espaço adequado para a ação e o discurso, é que os preconceitos se tornam relevantes para a convivência humana. É o momento de reivindicar, de se fazer ver e ser ouvido. Pois vivemos em uma pluralidade e é ela que dá a característica ao que chamamos de humanidade. Tentar privar todo e qualquer grupo de ser visto e ouvido é tentar destruir a pluralidade, e foi o que se fez nos regimes totalitários, e ainda se faz em muitos países que ignoram e tentam excluir do cenário político os considerados diferentes. Para um preconceito sobreviver deve-se minar qualquer tentativa de discussão, qualquer espaço público-político em que opiniões sejam trocadas e proferidas, ou seja, evitar a formação de novos juízos.

Os famosos: dizem, “eu acho que é”, “alguém disse que”, podem revelar um preconceito. Quando nos movemos somente com preconceitos e não com juízos, este que pode ser entendido como uma capacidade de troca de opiniões[4], colocamos em risco o próprio âmbito político, que se baseia na livre troca de juízos. “O perigo do preconceito reside no fato de originalmente estar sempre ancorado no passado, que dizer, muito bem ancorado e, por causa, disso, não apenas se antecipa ao juízo e o evita, mas também torna impossível uma experiência verdadeira do presente com o juízo”[5]. Um dos exemplos do perigo de perder-se o âmbito político e basear toda e qualquer ação política em preconceitos é o nazismo, que nega a pluralidade humana e tenta, através da ideologia e da violência, formar um única sociedade como se todos fossem iguais e não houvesse nem identidade e nem singularidade próprias de cada ser humano.

Mas não fiquemos só nos exemplos de estados totalitários, aqui mesmo, no Brasil, partidos políticos, principalmente as bancadas evangélicas e católicas, esquecem do Artigo 5º da Constituição Brasileira, onde se afirma que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e tentam vetar qualquer tentativas de inclusão das questões homossexuais para dentro das discussões do congresso brasileiro. Isso revela não só o preconceito, mas a própria ignorância daqueles que deveriam ter por base o entendimento de que a pluralidade é a lei que rege a convivência humana. E mais, “se na ação e no discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente sua identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano”[6], privar qualquer homem ou mesmo um grupo de homens de ser visto e ouvido, é atentar diretamente a sua qualidade de ser humano e estar entre seus iguais que são diferentes entre si. Toda e qualquer pessoa, partido político ou mesmo estado soberano que tente obstruir a esfera pública-política com se existisse um único pensamento e da mesma maneira levar preceitos religiosos como verdades, esquece que essa esfera não é o de verdades mas sim da opinião.

Trazer para a vida pública-política idéias ou credos religiosos é confundir e misturar duas coisas que são completamente diferentes, necessárias uma a outra, mas diferentes quanto a especificidade de cada uma: a esfera privada e a esfera pública. Por mais que a modernidade se caracterize ao que chamamos de esfera social, um híbrido das esferas privada e pública, não possuímos o direito de tratar as questões que dizem respeito a sociedade como um todo como se estivéssemos decidindo sobre que grama plantar em nosso jardim. Trazer pensamentos únicos e mesmo ideais ou crenças religiosas para discutir questões de racismo, sexualidade, gêneros, e entre outras, é inaceitável. É mais que um erro ou ignorância, é atentar contra o fato de que somos uma pluralidade. E foi exatamente isso que os estados totalitários fizeram: tentaram aniquilar, assassinando em grande escala judeus, negros, homossexuais entre outros. Mas como não estamos em tempos de estados totalitários, ao menos não declarados, salvo talvez a Venezuela, lembramos ao nosso políticos que tentar privar de direitos os cidadãos, discriminando, seja aberta ou mascaradamente, contitui crime. E preconceito é crime!

Às vezes quando paramos e escutamos certos discursos referentes a questões homossexuais e afins parece que voltamos a Idade Média, em que eram os ideais religiosos que dominavam o panorama privado e político. Lembro aos ditos homens políticos que a Modernidade chegou e com ela, junto aos seus problemas e encantamentos, a separação entre estado e igreja. Graças! Nem mesmo mais os filósofos, ao menos em sua maioria, tentam regrar a vida política com suas verdades, pois mesmo estes, se deram conta de que não são as verdades que devem regrar a vida política, que é instável e muda, mas sim a opinião. Opinião que, se dado o devido espaço para que haja diálogo, é capaz de fazer preconceitos mudarem através da formação de novos juízos. Mas não estamos afirmando que somente quando estamos no espaço público-político somos capazes de formar opinião ou mesmo de julgar corretamente. Nem afirmamos que a condição para que se formem juízos seja somente quando estamos na companhia de outras pessoas. Afirmamos que o espaço público-político é condição plena para que juízos sejam formados, porque nesse espaço estamos em contato com a pluralidade que é manifesta quando todos aparecem uns aos outros. Mas então, quando certos grupos são excluídos do cenário público-político ou mesmo em situações emergenciais, por exemplo os estados totalitários, como ter certeza de que estamos julgando levando e conta a pluralidade?  A resposta está na própria atividade de julgar.





[1]    ARENDt, Hannah. O que é polítca?, p. 27-28
[2]    _____________________________, p. 28.
[3]    _________________.  A Condição Humana, p. 188.
[4]    Expressão utlizada por Arendt.
[5]    ARENDT, Hannah. O que é política?, p. 30-31.
[6]    _______________. A Condição Humana, p. 192.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


                      Aos leitores: estou voltado a postar a biografia de Hannah Arendt, bem como artigos e escritos sobre essa autora de grande renome. O artigo abaixo foi escrito ainda na graduação. Aguardo severas críticas!



Uma interpretação voltada para a Educação e o Ensino de Filosofia a partir do artigo A crise na Educação de Hannah Arendt




Resumo

Muito se fala sobre educação e sobre ensino, mas pouco se discute os pressupostos destes dois conceitos. Hannah Arendt, identificando os problemas presentes em seu tempo no sistema escolar, vai às raízes do problema e nos introduz no tema da educação. O artigo A Crise da educação, dentro da obra Entre o passado e o futuro, traz um problema específico: a crise crescente nos padrões do sistema escolar. Arendt aborda o problema especifico da educação Americana das crianças, mas não se restringe a ele e ajuda-nos a entender as bases do próprio ensino.

Palavras Chave: educação, política, educador, educando.

Arendt constata que há uma crise repetitiva nos padrões do sistema escolar. E esta crise possui um caráter político por que na América ela se torna um fator na política. Segundo Arendt, “a essência da educação é a natalidade, o fato de que seres nascem para o mundo” (2003, p. 223).
A imigração na América traz um problema: as crianças, os filhos de imigrantes, têm de ser introduzidos na escola e a nova língua assimilada. A imigração ocorre devido ao lema americano ser o da eliminação da pobreza e opressão. A atenção do governo se volta para aqueles que são os recém-chegados no mundo, as crianças e jovens.
A influência de Rousseau fica subtendida, segundo Arendt, pois a educação se torna um instrumento para a política e a atividade política é idealizada como uma forma de educação. A autora é categórica ao entender que a educação não pode desempenhar nenhum papel na política. Pois na política se lida com aqueles que já estão educados: os adultos.
É importante considerar que é próprio da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo. E que há sempre uma nova geração em mundo que é antigo para eles. Quando se usa da educação para fins políticos, estamos arrancando a possibilidade dos recém-chegados à oportunidade face ao novo.
Esqueceu-se que este mundo em que são educadas as crianças e jovens é um mundo velho. E que são eles que representam o novo. Teorias educacionais foram criadas e testadas em diversos paises da Europa e na América.
O que aconteceu, segundo Arendt, foi que o bom senso falhou. Justamente porque os países confiaram demasiadamente no bom senso para a vida política. Consequentemente para a educação, que estava envolta na política, o mesmo ocorreu. Sempre que o juízo humano falha em oferecer respostas em questões políticas, ocorre uma crise.
Esse juízo pode ser entendido como senso comum. O desaparecimento do senso comum é a crise por qual estamos passando, retrata a autora. A falência do bom senso nos aponta onde ocorreu a crise. Na política ocidental o que impera é o conceito de igualdade. Quaisquer diferenças devem ser postas de lado, seja entre os jovens e idosos ou entre crianças e adultos.
Na educação, a idéia de igualdade, recai diretamente nas costas da autoridade do professor. Esse fator pode trazer benefícios. Mas o que nos interessa é prosseguir na busca pela crise na educação. As medidas que foram tomadas nas escolas, segundo Arendt, dizem respeito a três hipóteses básicas:

[...] O primeiro é o de que existe um mundo das crianças e uma sociedade formadas entre crianças, autônomos e que se deve, na medida do possível, permitir que elas governem. Os adultos aí estão para auxiliar este governo. A autoridade que diz ás crianças individualmente o que fazer e o que não fazer repousa no próprio grupo de crianças – e isso, entre outras conseqüências, gera uma situação em que o adulto se acha impotente ante a criança individual e sem contato com ela. Ele apenas pode dizer-lhe que faça aquilo que lhe agrada e evitar que o pior aconteça [...]. (2003, p. 230).

A autoridade de qualquer grupo é sempre mais forte do que a de um indivíduo. A criança se encontra numa situação complicada individualmente, de uma minoria contra a maioria. Com esta nova estrutura de educação, a criança foi emancipada do mundo dos adultos ficando a mercê do grupo ou de si mesmas.
O que acontece às crianças e jovens numa situação dessas é o conformismo ou o crime juvenil. Dessa forma, segundo Arendt:

[...] O segundo pressuposto básico que veio à tona na presente crise tem a ver com o ensino. Sob a influencia da Psicologia moderna e dos princípios do Pragmatismo, a Pedagogia transformou-se em uma ciência do ensino em geral a ponto de se emancipar inteiramente da matéria efetiva a ser ensinada. Um professor, pensava-se, é um homem que pode simplesmente ensinar qualquer coisa; sua formação é o ensino e não o domínio de qualquer assunto particular. [...]. (2003, p. 231).

Dessa forma não somente a criança é abandonada, mas também o professor fica abandonado acerca do conhecimento. O professor, não sendo mais uma autoridade, deixa de ser eficaz. Para Arendt:

[...] Era muito simplesmente a aplicação do terceiro pressuposto básico em nosso contexto, um pressuposto que o mundo moderno defendeu durante séculos e que encontrou expressão conceitual sistemática no Pragmatismo. Esse pressuposto básico é o de que só é possível conhecer e compreender aquilo que nós mesmos fizemos, e sua aplicação à educação é tão primária quanto óbvia: consiste em substituir, na medida do possível, o aprendizado pelo fazer. [...]. (2003, p. 231)

O professor não deveria transmitir um conhecimento congelado e sim demonstrar como o saber é produzido. Para a criança acontecia a substituição do estudo da gramática, por exemplo, pelo exercício da fala. Pensava-se que a atividade característica da criança era a de brincar. Então, a criança era forçada à passividade. Negando-se que ela desenvolve-se suas próprias iniciativas lúdicas.
O mundo da infância era estendido continuamente e o que deveria preparar as crianças para o mundo dos adultos, a saber, o trabalho, era negado. A criança é excluída do mundo dos adultos e presa artificialmente em seu próprio mundo. O relacionamento de ensino e aprendizagem entre crianças e adultos é extinto.
A crise na educação, segundo a autora, resulta do reconhecimento dessas hipóteses e de uma tentativa frustrada de reformar o ensino escolar. O que acontecerá é uma restauração do antigo ensino. O que nos interessa aqui é perceber quais os aspectos do mundo moderno que revelaram a crise e o que implica na própria educação.
Arendt inicia a discussão pela segunda questão, elucidando que a educação se renova com a vinda de novos seres. O novo ser, a criança, é o objeto da educação e possui para o professor um “duplo aspecto: é nova em um mundo que lhe é estranho e se encontra em processo de formação; é um novo ser humano e é um ser humano em formação” (ARENDT, p. 234).
Esse duplo aspecto corresponde com o relacionamento do mundo de um lado e da vida de outro lado. A criança está num estado de vir a ser. Ela é nova em um mundo que é velho. Os pais inseriram a criança em um mundo, assumindo na educação a responsabilidade pela vida e desenvolvimento da criança.
Isso pode acarretar em conflito, pois a criança precisa ser protegida do mundo e o mundo, que é velho, precisa de proteção contra o novo, à criança. A proteção contra o mundo se dá na família, a vida privada. Ela deve ser oculta do mundo, pois este não lhe oferece segurança nem atenção.
O público, o mundo, quando invade o privado, a família, faz com que as crianças não tenham um lugar seguro onde possam crescer e desenvolver suas habilidades. Quando se tenta estabelecer um mundo público entre as crianças, se está forçando que estas se exponham ao mundo publico.
Isso acontece com a educação moderna, quando tenta estabelecer um mundo de crianças e ou jovens, destruindo as condições necessárias ao seu crescimento essencial. Cabe-nos perguntar, segundo Arendt:

[...] Como pôde então acontecer que as mais elementares condições de vida necessárias ao crescimento e desenvolvimento da criança fossem desprezadas ou simplesmente ignoradas Como pôde acontecer que se expusesse à criança aquilo que, mais que qualquer outra coisa, caracterizava o mundo adulto, o seu aspecto público, logo após se ter chegado a conclusão de que o erro em toda a educação passada fora ver a criança como não sendo mais que um adulto em tamanho reduzido [...]. (2003, p. 237).

Mas os motivos não devem ser procurados na educação e sim nos preconceitos e bom senso acerca da natureza da vida privada e do mundo público e sua relação recíproca. Quando os educadores da modernidade tentaram embasar a educação sob esse pressuposto moderno.
O que aconteceu foi que a sociedade emancipou a vida terrena e a família, considerados bens supremos pela sociedade moderna, e as atividades envolvidas em sua salvaguarda do ocultamento da vida privada, exibindo-a ao mundo público. Os últimos a serem emancipados forram as crianças.
O problemas decorrente é que as crianças ainda estão em crescimento vital e de formação de personalidade. Introduziu-se o social entre o publico e o privado tornado as coisas difíceis para as crianças e jovens, que pedem ocultamento devido ao seu amadurecimento. Mas o que foi feito em termos de teorias educacionais e ocasionou esta crise, foi realizado tento em vista o bem-estar da criança e dos jovens.
A tarefa da escola é o de ensino e aprendizagem. Normalmente a criança é introduzida no mundo pela primeira vez através da escola. Mas a escola não é o mundo e nem deve fingir sê-lo. A escola é uma “instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo, com o fito de fazer com que seja possível a transição de alguma forma da família para o mundo” (ARENDT, 2003, p. 238).
O adulto assume responsabilidade pela criança, não pelo seu aumento vital, mas pelo livre desenvolvimento de qualidades e talentos especiais. Os adultos introduzem as crianças e os jovens aos poucos no mundo. Segundo Arendt:

[...] Em todo caso, todavia, o educador está aqui em relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a responsabilidade, embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente possa querer que ele fosse diferente do que é. Essa responsabilidade não é imposta arbitrariamente aos educadores ela está implícita no fato de que os jovens são introduzidos por adultos em mundo em continua mudança. Qualquer pessoa que se recuse a assumir responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação [...]. (2003, p. 239).


A responsabilidade pelo mundo, na educação, assume a forma de autoridade. Mas não se confunda a autoridade do professor com sua qualificação. Embora se necessite de ambas para lidar com a educação. A qualificação incide em conhecer o mudo e ser capaz de ensinar os outros a cerca dele. A autoridade é quando se assume este mundo.
O educador aparece como um representante de todos os adultos. O que está acontecendo na modernidade é que a responsabilidade está sendo rejeitada, segundo a autora. Consequentemente acontece a perda de autoridade. Os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo o qual trouxeram as crianças.
Tem-se considerado as crianças como uma minoria oprimida e que necessita de libertação. De outro lado dois fatores são importantes a serem considerados: o primeiro é o de que sempre se considerou a autoridade de pais sobre filhos e professores sobre alunos como algo inquestionável e o segundo é o de que existe uma superioridade temporária na criação de filhos.
Esses modelos de pensamente são de tempos imemoriais e agora eles entraram em choque. Os conflitos iminentes e contraditórios são: no primeiro caso que essa superioridade absoluta entre adultos não deveria existir e no segundo caso que não pode existir uma superioridade temporária na criação de filhos.
A crise que advém da política afeta justamente estes dois pontos e desemboca diretamente na esfera privada, a família. Onde os pais perdem autoridade e se recusam a assumir responsabilidade pelo mundo. As teorias educacionais assumem uma postura revolucionária. Mas mesmo com esse espírito revolucionário, não se pensou em revolucionar a educação na América.
Permaneceu-se conservador em matéria de educação. Para a autora, quando se fala de conservadorismo em sentido de conservação se discute algo que é essencial e faz parte da atividade educacional. Pois a educação sempre abriga e protege alguma coisa, seja a criança contra o mundo ou o mundo contra a criança. Mesmo a responsabilidade implica em uma atitude conservadora. Para Arendt:

[...] Basicamente, estamos sempre educando para um mundo que ou já está fora dos eixos ou para aí caminha, pois é esta a situação humana básica, em que o mundo é criado por mãos mortais e serve de lar aos mortais durante tempo limitado... Para preservar o mundo contra a mortalidade de seus criadores e habitantes, ele deve ser, continuamente, posto em ordem. O problema é simplesmente educar de tal modo que um por-em-ordem continue sendo efetivamente possível, ainda que nunca, é claro, ser assegurado [...]. (2003, p. 243).

Cada geração representa aquilo que é novo e nos trás esperanças. Mas não podemos querer controlar os novos no mundo, segundo Arendt:

[...] Exatamente em beneficio daquilo que é novo é que a educação precisa ser conservadora ela deve preservar essa novidade e introduzi-la como algo novo em um mundo velho, que, por mais revolucionário que possa ser em suas ações, é sempre do ponto de vista da geração seguinte, obsoleto e rente á destruição. A verdadeira dificuldade na educação moderna está no fato de que, a despeito de toda a conversa da moda acerca de um novo conservadorismo, até mesmo aquele mínimo de conservação e de atitude conservadora sem o qual a educação simplesmente não é possível se torna, em nossos dias, extraordinariamente difícil de atingir [...]. (2003, p. 243).

A crise da autoridade na educação que nos assola possui intima ligação com a crise da tradição, de nossa postura frente ao passado. Para o educador, que é o mediador entre o velho e o novo, esse aspecto é de certa maneira difícil de lidar. Pois sua profissão exige certo respeito pelo passado.
Na crise que nos encontramos não se pode simplesmente seguir em frente nem voltarmos para trás. Defrontamos-nos nesta crise na educação com o “fato de, por sua natureza, não poder esta abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado pela autoridade nem tampouco mantido pela tradição” (ARENDT, 2003, p. 245).
É necessário divorciar o âmbito da educação dos demais, principalmente da vida pública e política. Uma atitude sensata por parte da escola, sendo sua maior função, seja a de ensinar como o mundo é, e não instruir as crianças e jovens na arte de viver. Pois o mundo em que elas vivem é velho e a aprendizagem sempre se volta de qualquer maneira para o passado.
Outra atitude importante é que se deve entender que “a linha traçada entre crianças e adultos deveria significar que não se pode nem educar adultos nem tratar crianças como se elas fossem maduras” (ARENDT, 2003, p. 246). A educação, diferente da aprendizagem, tem que ter um final previsível. Não deixando, é claro, de dar a devida importância à aprendizagem.
Não se pode educar sem ensinar e esta é a condição para que o educador perceba sua responsabilidade e, segundo Arendt:

[...] O que nos diz respeito, e que não podemos, portanto delegar a ciência da Pedagogia é a relação entre adultos e crianças em geral, ou... nossa atitude face ao fato da natalidade: o fato de todos nós virmos ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado mediante o nascimento. A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salva-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum. [...] (2003, p. 247).

Bibliografia
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003 5ªed.
HERMENAU, Frank. “No fundo, educamos desde sempre para um mundo saído de seus eixos”: sobre a relação entre política e educação em Immanuel Kant e Hannah Arendt. In: DALBOSCO, Cláudio Almir (org.). Filosofia prática e pedagogia. Passo Fundo: UPF, 2003.
HERMENAU, Frank. Agir no espaço pedagógico: distinções segundo Hannah Arendt. In: DALBOSCO, Cláudio Almir; FLICKINGER, Hans-Georg (orgs). Passo Fundo: UPF, 2005.