Aos leitores: estou voltado a postar a biografia de Hannah Arendt, bem como artigos e escritos sobre essa autora de grande renome. O artigo abaixo foi escrito ainda na graduação. Aguardo severas críticas!
Uma interpretação voltada para a Educação e o Ensino de Filosofia a
partir do artigo A crise na Educação de
Hannah Arendt
Resumo
Muito se fala sobre educação e sobre ensino, mas pouco se discute os
pressupostos destes dois conceitos. Hannah Arendt, identificando os problemas
presentes em seu tempo no sistema escolar, vai às raízes do problema e nos
introduz no tema da educação. O artigo A
Crise da educação, dentro da obra Entre
o passado e o futuro, traz um problema específico: a crise crescente nos
padrões do sistema escolar. Arendt aborda o problema especifico da educação
Americana das crianças, mas não se restringe a ele e ajuda-nos a entender as
bases do próprio ensino.
Palavras Chave: educação, política, educador, educando.
Arendt constata que há uma crise repetitiva nos padrões do sistema
escolar. E esta crise possui um caráter político por que na América ela se
torna um fator na política. Segundo Arendt, “a essência da educação é a natalidade, o fato de que seres nascem para
o mundo” (2003, p. 223).
A imigração na América traz um problema: as crianças, os filhos de
imigrantes, têm de ser introduzidos na escola e a nova língua assimilada. A
imigração ocorre devido ao lema americano ser o da eliminação da pobreza e
opressão. A atenção do governo se volta para aqueles que são os recém-chegados
no mundo, as crianças e jovens.
A influência de Rousseau fica subtendida, segundo Arendt, pois a educação
se torna um instrumento para a política e a atividade política é idealizada
como uma forma de educação. A autora é categórica ao entender que a educação
não pode desempenhar nenhum papel na política. Pois na política se lida com
aqueles que já estão educados: os adultos.
É importante considerar que é próprio da condição humana o fato de que
cada geração se transforma em um mundo antigo. E que há sempre uma nova geração
em mundo que é antigo para eles. Quando se usa da educação para fins políticos,
estamos arrancando a possibilidade dos recém-chegados à oportunidade face ao novo.
Esqueceu-se que este mundo em que são educadas as crianças e jovens é um
mundo velho. E que são eles que representam o novo. Teorias educacionais foram
criadas e testadas em diversos paises da Europa e na América.
O que aconteceu, segundo Arendt, foi que o bom senso falhou. Justamente porque os países confiaram
demasiadamente no bom senso para a vida política. Consequentemente para a
educação, que estava envolta na política, o mesmo ocorreu. Sempre que o juízo
humano falha em oferecer respostas em questões políticas, ocorre uma crise.
Esse juízo pode ser entendido como senso comum. O desaparecimento do
senso comum é a crise por qual estamos passando, retrata a autora. A falência
do bom senso nos aponta onde ocorreu a crise. Na política ocidental o que
impera é o conceito de igualdade.
Quaisquer diferenças devem ser postas de lado, seja entre os jovens e idosos ou
entre crianças e adultos.
Na educação, a idéia de igualdade, recai diretamente nas costas da
autoridade do professor. Esse fator pode trazer benefícios. Mas o que nos
interessa é prosseguir na busca pela crise na educação. As medidas que foram
tomadas nas escolas, segundo Arendt, dizem respeito a três hipóteses básicas:
[...] O primeiro
é o de que existe um mundo das crianças e uma sociedade formadas entre
crianças, autônomos e que se deve, na medida do possível, permitir que elas
governem. Os adultos aí estão para auxiliar este governo. A autoridade que diz
ás crianças individualmente o que fazer e o que não fazer repousa no próprio
grupo de crianças – e isso, entre outras conseqüências, gera uma situação em
que o adulto se acha impotente ante a criança individual e sem contato com ela.
Ele apenas pode dizer-lhe que faça aquilo que lhe agrada e evitar que o pior
aconteça [...]. (2003, p. 230).
A autoridade de qualquer grupo é sempre mais forte do que a de um
indivíduo. A criança se encontra numa situação complicada individualmente, de
uma minoria contra a maioria. Com esta nova estrutura de educação, a criança
foi emancipada do mundo dos adultos ficando a mercê do grupo ou de si mesmas.
O que acontece às crianças e jovens numa situação dessas é o conformismo
ou o crime juvenil. Dessa forma, segundo Arendt:
[...] O segundo
pressuposto básico que veio à tona na presente crise tem a ver com o ensino.
Sob a influencia da Psicologia moderna e dos princípios do Pragmatismo, a
Pedagogia transformou-se em uma ciência do ensino em geral a ponto de se
emancipar inteiramente da matéria efetiva a ser ensinada. Um professor,
pensava-se, é um homem que pode simplesmente ensinar qualquer coisa; sua
formação é o ensino e não o domínio de qualquer assunto particular. [...].
(2003, p. 231).
Dessa forma não somente a criança é abandonada, mas também o professor
fica abandonado acerca do conhecimento. O professor, não sendo mais uma
autoridade, deixa de ser eficaz. Para Arendt:
[...] Era muito simplesmente a aplicação do terceiro pressuposto básico em nosso
contexto, um pressuposto que o mundo moderno defendeu durante séculos e que
encontrou expressão conceitual sistemática no Pragmatismo. Esse pressuposto
básico é o de que só é possível conhecer e compreender aquilo que nós mesmos
fizemos, e sua aplicação à educação é tão primária quanto óbvia: consiste em
substituir, na medida do possível, o aprendizado pelo fazer. [...]. (2003, p.
231)
O professor não deveria transmitir um conhecimento congelado e sim
demonstrar como o saber é produzido. Para a criança acontecia a substituição do
estudo da gramática, por exemplo, pelo exercício da fala. Pensava-se que a
atividade característica da criança era a de brincar. Então, a criança era
forçada à passividade. Negando-se que ela desenvolve-se suas próprias
iniciativas lúdicas.
O mundo da infância era estendido continuamente e o que deveria preparar
as crianças para o mundo dos adultos, a saber, o trabalho, era negado. A
criança é excluída do mundo dos adultos e presa artificialmente em seu próprio
mundo. O relacionamento de ensino e aprendizagem entre crianças e adultos é extinto.
A crise na educação, segundo a autora, resulta do reconhecimento dessas
hipóteses e de uma tentativa frustrada de reformar o ensino escolar. O que
acontecerá é uma restauração do antigo ensino. O que nos interessa aqui é
perceber quais os aspectos do mundo moderno que revelaram a crise e o que
implica na própria educação.
Arendt inicia a discussão pela segunda questão, elucidando que a educação
se renova com a vinda de novos seres. O novo ser, a criança, é o objeto da
educação e possui para o professor um “duplo
aspecto: é nova em um mundo que lhe é estranho e se encontra em processo de
formação; é um novo ser humano e é um ser humano em formação” (ARENDT, p.
234).
Esse duplo aspecto corresponde com o relacionamento do mundo de um lado e
da vida de outro lado. A criança está num estado de vir a ser. Ela é nova em um
mundo que é velho. Os pais inseriram a criança em um mundo, assumindo na
educação a responsabilidade pela vida e desenvolvimento da criança.
Isso pode acarretar em conflito, pois a criança precisa ser protegida do
mundo e o mundo, que é velho, precisa de proteção contra o novo, à criança. A
proteção contra o mundo se dá na família, a vida privada. Ela deve ser oculta
do mundo, pois este não lhe oferece segurança nem atenção.
O público, o mundo, quando invade o privado, a família, faz com que as
crianças não tenham um lugar seguro onde possam crescer e desenvolver suas
habilidades. Quando se tenta estabelecer um mundo público entre as crianças, se
está forçando que estas se exponham ao mundo publico.
Isso acontece com a educação moderna, quando tenta estabelecer um mundo
de crianças e ou jovens, destruindo as condições necessárias ao seu crescimento
essencial. Cabe-nos perguntar, segundo Arendt:
[...] Como pôde então acontecer que as mais
elementares condições de vida necessárias ao crescimento e desenvolvimento da
criança fossem desprezadas ou simplesmente ignoradas Como pôde acontecer que se
expusesse à criança aquilo que, mais que qualquer outra coisa, caracterizava o
mundo adulto, o seu aspecto público, logo após se ter chegado a conclusão de
que o erro em toda a educação passada fora ver a criança como não sendo mais
que um adulto em tamanho reduzido [...]. (2003, p. 237).
Mas os motivos não devem ser procurados na educação e sim nos
preconceitos e bom senso acerca da natureza da vida privada e do mundo público
e sua relação recíproca. Quando os educadores da modernidade tentaram embasar a
educação sob esse pressuposto moderno.
O que aconteceu foi que a sociedade emancipou a vida terrena e a família,
considerados bens supremos pela sociedade moderna, e as atividades envolvidas
em sua salvaguarda do ocultamento da vida privada, exibindo-a ao mundo público.
Os últimos a serem emancipados forram as crianças.
O problemas decorrente é que as crianças ainda estão em crescimento vital
e de formação de personalidade. Introduziu-se o social entre o publico e o
privado tornado as coisas difíceis para as crianças e jovens, que pedem
ocultamento devido ao seu amadurecimento. Mas o que foi feito em termos de
teorias educacionais e ocasionou esta crise, foi realizado tento em vista o bem-estar
da criança e dos jovens.
A tarefa da escola é o de ensino e aprendizagem. Normalmente a criança é
introduzida no mundo pela primeira vez através da escola. Mas a escola não é o
mundo e nem deve fingir sê-lo. A escola é uma “instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo,
com o fito de fazer com que seja possível a transição de alguma forma da
família para o mundo” (ARENDT, 2003, p. 238).
O adulto assume responsabilidade pela criança, não pelo seu aumento
vital, mas pelo livre desenvolvimento de qualidades e talentos especiais. Os
adultos introduzem as crianças e os jovens aos poucos no mundo. Segundo Arendt:
[...] Em todo caso, todavia, o educador está aqui em
relação ao jovem como representante de um mundo pelo qual deve assumir a
responsabilidade, embora não o tenha feito e ainda que secreta ou abertamente
possa querer que ele fosse diferente do que é. Essa responsabilidade não é
imposta arbitrariamente aos educadores ela está implícita no fato de que os
jovens são introduzidos por adultos em mundo em continua mudança. Qualquer
pessoa que se recuse a assumir responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria
ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação [...].
(2003, p. 239).
A responsabilidade pelo mundo, na educação, assume a forma de autoridade.
Mas não se confunda a autoridade do professor com sua qualificação. Embora se
necessite de ambas para lidar com a educação. A qualificação incide em conhecer
o mudo e ser capaz de ensinar os outros a cerca dele. A autoridade é quando se
assume este mundo.
O educador aparece como um representante de todos os adultos. O que está
acontecendo na modernidade é que a responsabilidade está sendo rejeitada,
segundo a autora. Consequentemente acontece a perda de autoridade. Os adultos
se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo o qual trouxeram as
crianças.
Tem-se considerado as crianças como uma minoria oprimida e que necessita
de libertação. De outro lado dois fatores são importantes a serem considerados:
o primeiro é o de que sempre se considerou a autoridade de pais sobre filhos e
professores sobre alunos como algo inquestionável e o segundo é o de que existe
uma superioridade temporária na criação de filhos.
Esses modelos de pensamente são de tempos imemoriais e agora eles
entraram em choque. Os
conflitos iminentes e contraditórios são: no primeiro caso que essa
superioridade absoluta entre adultos não deveria existir e no segundo caso que
não pode existir uma superioridade temporária na criação de filhos.
A crise que advém da política afeta justamente estes dois pontos e
desemboca diretamente na esfera privada, a família. Onde os pais perdem
autoridade e se recusam a assumir responsabilidade pelo mundo. As teorias
educacionais assumem uma postura revolucionária. Mas mesmo com esse espírito revolucionário, não se pensou
em revolucionar a educação na América.
Permaneceu-se conservador em matéria de educação. Para a autora, quando
se fala de conservadorismo em sentido de conservação se discute algo que é
essencial e faz parte da atividade educacional. Pois a educação sempre abriga e
protege alguma coisa, seja a criança contra o mundo ou o mundo contra a
criança. Mesmo a responsabilidade implica em uma atitude conservadora. Para
Arendt:
[...] Basicamente, estamos sempre educando para um
mundo que ou já está fora dos eixos ou para aí caminha, pois é esta a situação
humana básica, em que o mundo é criado por mãos mortais e serve de lar aos
mortais durante tempo limitado... Para preservar o mundo contra a mortalidade
de seus criadores e habitantes, ele deve ser, continuamente, posto em ordem. O problema é
simplesmente educar de tal modo que um por-em-ordem continue sendo efetivamente
possível, ainda que nunca, é claro, ser assegurado [...]. (2003, p. 243).
Cada geração representa aquilo que é novo e nos trás esperanças. Mas não
podemos querer controlar os novos no mundo, segundo Arendt:
[...] Exatamente em beneficio daquilo que é novo é que
a educação precisa ser conservadora ela deve preservar essa novidade e
introduzi-la como algo novo em um mundo velho, que, por mais revolucionário que
possa ser em suas ações, é sempre do ponto de vista da geração seguinte,
obsoleto e rente á destruição. A verdadeira dificuldade na educação moderna
está no fato de que, a despeito de toda a conversa da moda acerca de um novo
conservadorismo, até mesmo aquele mínimo de conservação e de atitude
conservadora sem o qual a educação simplesmente não é possível se torna, em
nossos dias, extraordinariamente difícil de atingir [...]. (2003, p. 243).
A crise da autoridade na educação que nos assola possui intima ligação
com a crise da tradição, de nossa postura frente ao passado. Para o educador,
que é o mediador entre o velho e o novo, esse aspecto é de certa maneira
difícil de lidar. Pois sua profissão exige certo respeito pelo passado.
Na crise que nos encontramos não se pode simplesmente seguir em frente
nem voltarmos para trás. Defrontamos-nos nesta crise na educação com o “fato de, por sua natureza, não poder esta
abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a
caminhar em um mundo que não é estruturado pela autoridade nem tampouco mantido
pela tradição” (ARENDT, 2003, p. 245).
É necessário divorciar o âmbito da educação dos demais, principalmente da
vida pública e política. Uma atitude sensata por parte da escola, sendo sua
maior função, seja a de ensinar como o mundo é, e não instruir as crianças e
jovens na arte de viver. Pois o mundo em que elas vivem é velho e a
aprendizagem sempre se volta de qualquer maneira para o passado.
Outra atitude importante é que se deve entender que “a linha traçada entre crianças e adultos deveria significar que não se
pode nem educar adultos nem tratar crianças como se elas fossem maduras”
(ARENDT, 2003, p. 246). A educação, diferente da aprendizagem, tem que ter um
final previsível. Não deixando, é claro, de dar a devida importância à
aprendizagem.
Não se pode educar sem ensinar e esta é a condição para que o educador
perceba sua responsabilidade e, segundo Arendt:
[...] O que nos diz respeito, e que não podemos,
portanto delegar a ciência da Pedagogia é a relação entre adultos e crianças em
geral, ou... nossa atitude face ao fato da natalidade: o fato de todos nós
virmos ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado mediante
o nascimento. A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o
bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salva-lo
da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos
jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o
bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios
recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma
coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência
para a tarefa de renovar um mundo comum. [...] (2003, p. 247).
Bibliografia
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o
futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003 5ªed.
HERMENAU, Frank.
“No fundo, educamos desde sempre para um mundo saído de seus eixos”: sobre a
relação entre política e educação em Immanuel Kant e Hannah Arendt. In: DALBOSCO,
Cláudio Almir (org.). Filosofia prática e
pedagogia. Passo Fundo: UPF, 2003.
HERMENAU, Frank.
Agir no espaço pedagógico: distinções segundo Hannah Arendt. In: DALBOSCO, Cláudio Almir; FLICKINGER,
Hans-Georg (orgs). Passo Fundo :
UPF, 2005.
Oi Cristian,
ResponderExcluirAchei bastante interessante seu blog por estar voltado especificamente a essa grande filósofa.
Mas como professor e pesquisador em filosofia gostaria de propor alguns pontos, que na minha opinião podem lhe ajudar, se assim aceitares:
- Acho que você deveria rever seu artigo para publicá-lo em alguma revista de filosofia. Assim a comunidade acadêmica poderia Lê-lo. Colocá-lo em seu blog, por mais democrático e bonito que seja, não dá o devido valor ao seu trabalho. Creio que seria importante para sua carreira publicar títulos pela Capes e ser conhecido por ela.
Taambém tenho um blog: Reflexão Dialogada.
A última postagem é um comentário curto sobre Hannah.
Eu também sou de Curitiba.
Forte abraço,
É Prazer lhe conhecer,
Jonas
Jonas!
ResponderExcluirFico realmente grato pelo comentário que tu fizeste! De fato tenho "pecado" em procurar revistas especializadas em filosofia para publicação. Acredito que este ano poderei realizar essa empreitada. Deixo meu e-mail para conversarmos melhor: cristian-quevedo@hotmail.com (é hífen mesmo). Desde já, como somos da mesma cidade, lhe convido para bebericarmos um café!
Quem agradece pelo tempo e desprendimento por ler meu blog sou eu!
Abraços!