quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Biografia I




          Quero de imediato agradecer aos e-mails que recebi de amigos e professores, aos comentários da Cassy e aqueles que estão embarcando comigo neste Projeto. Outro ponto fundamental que gostaria de deixar claro, que é uma resposta ao e-mail de um grande amigo (e feito isso, passo a comentar sobre a vida de Hannah Arendt): Hannah Arendt modificou sim minha relação com os estudos de filosofia, propriamente quanto a ética e a política, mas com isso não quero dar créditos e nenhum tipo de Terapia Existencial que se baseia (loucamente) nas obras dessa grande autora, porque tenho certeza de que os objetivos de Arendt jamais foram de algum tipo de tratamento psicológico ou psiquiátrico, já que ela mesma critica os ramos da Psicologia senão o todo dessa ciência (conferir no artigo A Crise da Educação no conjunto de ensaios de Entre o Passado e o Futuro e também no Capitulo II de A Condição Humana).        Respeito certamente as opiniões, com a convicção de que Arendt deve ter dado umas três voltas completas em seu túmulo quando fundaram a Terapia Reflexiva. Ora! Ela é uma Cientista Política! Não uma Consultora, Psicóloga e afins. Dito isto, passemos ao Projeto Compreender Arendt (mas admito que gostei da provocação!).

I – Biografia I

            Hannah Arendt, ou Johannah no estado civil, nasceu no dia 14 de outubro de 1906 em casa, na cidade de Linden, Alemanha. Desde pequena demostrava ter uma capacidade intelectual a frente das demais crianças. Martha Arendt, mãe de Hannah, deixou registrado em um diário de nome: Nosso Bebê, a evolução da criança. O pai de Hannah, Paul Arendt, porta de sífilis, que contraiu na juventude. Ele não esconde de sua esposa e devido a doença, em 1909, se mudam para a cidade de Könisberg. Martha é uma mulher certamente a frente de seu tempo, vinda de uma família judia, porém culta e liberal da mesma forma que Paul.

             Hannah é descrita como uma criança precoce em tudo. Aos dois anos já falava e quando entrou para a escola já sabia ler e escrever. Martha participa de uma escola de jardim de infância em que novas teses sobre a educação são postas em prática, isso após ter estudado três anos na França em que aprendeu línguas e música. Por sua vez Hannah tem que aprender a lidar com a doença do pai. Segundo o diário de Martha, Hannah ajuda a cuidar do pai com carinho. Max Arendt, seu avô é ligado a comunidade judaica que tenta promover a integração dos Judeus na Alemanha. Já Martha e Paul não estão e nem se sentem ligados a religião judaica. Judeus sim, mas não no sentido de uma prática ou vivência da fé.

              Max Arendt, avô de Hannah, é o responsável por apresentar a religião judaica a Hannah mas não de forma tradicional, no sentido de ir a Sinagoga mas sim na partilha de seu modo de vida. Relação que dura até o ano de 1913 pois tanto o avô, Max, bem como seu pai, Paul, morrem. Em ambas as mortes Hannah vai se questionar muito mais sobre o sentido da morte, do que mesmo manifestar a dor da perda dos entes queridos. Ela vai tentar demonstrar para a mãe que é forte e Martha vai preocupar-se pois Hannah parece não sofrer com a morte do pai. Hannah está tentando tomar conta da mãe e ao mesmo tempo fazer as perguntas que a levaram, mais tarde, para a filosofia.

          A relação de Hannah com sua mãe será firme e forte e mesmo com quarenta anos, Hannah irá procurar o conforto e auxílio da mãe no momento de suas dúvidas. Entre 1913 e 1916 idas e vindas entre as cidades de Könisberg e Berlin serão frequentes em razão da guerra. Martha frequenta o círculo de seguidores de Rosa Luxemburgo, mulher que terá o apreço de Hannah, tanto por seus ideais, como pela sua vida e pelo que buscava (em Homens em Tempos Sombrios Arendt reflete sobre a força revolucionária de Rosa Luxembrugo). Martha vai levar Hannah para o círculo dos revolucionários, transformando seu próprio apartamento em local de encontro. Hannah vai guardar por toda sua vida questões ligadas as discussões realizadas nos encontros que frequentou junto com a mãe. É um tempo em que palavras como revolução, reforma, democracia, socialismo estão como que vivas e fortes. Em 1919, após o assassinato de Rosa, as coisas irão mudar, tanto no panorama político quanto na vida de Hannah.

          Gostaria de chamar atenção para alguns aspectos levantos: a influência judaica do avô na vida de Hannah, o aspecto político e, até certo ponto revolucionário de sua mãe. E de seu pai, algo que deixo para mencionar agora: a motivação para leitura que ele despertava na filha, que deixava-a pegar clássicos de sua biblioteca. Hannah dirá na entrevista a Günter Gaus (Entrevista: Só Permanece a Língua Materna) que por toda sua vida irá ter como que uma dívida com o pai.

II – Estudo Comentado

         Como escrevi na publicação anterior, que iniciei com uma citação de A Vida do Espírito, citaria mais um trecho dessa obra que me motiva a estudar cada vez mais Hannah Arendt:

"A faculdade de julgar os particulares... a habilidade de dizer "isto é errado", "isto é belo", e por aí a fora, não é igual a faculdade de pensar. O pensamento lida com invisíveis, com representações de coisas que estão ausentes. O juízo sempre se ocupa com particulares e coisas ao alcance das mãos. Mas as duas faculdades estão inter-relacionadas, do mesmo modo como a consciência moral e a consciência. Se o pensamento - o dois-em-um do diálogo sem som - realiza a diferença inerente à nossa identidade, tal como é dada à consciência, resultando, assim, na consciência moral como seu derivado, então o juízo, o derivado do efeito liberador do pensamento, realiza o próprio pensamento, tornando-o manifesto no mundo das aparências, onde eu nunca estou só e estou sempre muito ocupado para poder pensar. A manifestação do vento do pensamento não é o conhecimento, é a habilidade de distinguir o certo do errado, o belo do feio. E isso, nos raros momentos e que as cartas estão postas sobre a mesa, pode sem dúvida prevenir catástrofes, ao menos para o eu". (Hannah Arendt, A Vida do Espírito, p. 217-216).

          Deixarei para comentar as passagens citadas nas próximas publicações. Por e-mail, orkut e telefonemas recebi sugestões e críticas de algumas pessoas as quais agradeço: Joci, Giovani, Gustavo, prof. Edson. Pessoalmente agradeço a distinta Olívia e numa conversa com msn, que durou duas horas (no costume madrugueiro) agradeço a Carol e claro, minha mãe que diz: isso não está claro e está ficando claro! Principalmente ao senhor Af por me ajudar a pensar no blog. E a deusa Marceli... bem... é uma deusa. Ah, Joci (e a todos também), em janeiro estarei colocando ao final de cada publicação um comentário que iniciarei por períodos das obras de Hannah. E esta semana prometo deixar uma relação das obras dela.

III – Resposta a indicação de Leitura

          Quando estava para fechar esta publicação, recebi a indicação de um texto do amigo, que pedirei se puder mencionar o nome dele (Texto disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/philosophos/article/viewArticle/3154 ). O título do artigo: Luz e Sombra: o público e o privado em Rousseau e Arendt. Farei apenas um breve comentário do que penso ser um grave erro interpretativo do autor sobre os conceitos e teorias arendtianos. Logo no início ele afirma que “Tanto Arendt como Rousseau desenvolvem seus ideais sobre a república no conceito de luz e sombra”, o que já incorre em afirmar algo genérico, além de colocar no mesmo patamar a centralidade téorica de autores totalmente distintos e mesmo apostos. Analisarei especificamente o entendimento do autor sobre os conceitos de Arendt pois, além de não querer me estender, dou preferência a autora pois é a finalidade deste blog. Mas coloco-me a disposição sempre para esclarecimentos.

         Penso que a obra A Condição do Homem Moderno, traduzida como A Condição Humana, é a obra guia do autor no artigo citado acima quando este trata dos conceitos de Espaço Público e Espaço Privado em Arendt. Me parece que o autor não fez as perguntas fundamentais da obra. Esquece que ela tem um propósito, qual seria: após o rompimento da tradição com o evento dos estados totalitários, tanto no sentido filosófico como ético e político, como pensar o espaço público-político? Também encontramos uma profunda reflexão da técnica na modernidade (para ser extremamente conciso). Ao comparar Arendt e Rousseau sem levantar ao menos a pergunta acima e citar que Arednt “teria simpatizado com a configuração antiga da república”, o autor faz o que inúmeros autores que não entendem os conceitos arendtianos fazem: pensam que Arendt que restaurar a experiência greco-romano de política. Um erro lastimável!

         Arendt não privilegia uma volta a antiguidade. Suas obras, desde Origens do Totalitarismo, até A Vida do Espírito, são um grande esforço de resgatar a dignidade completamente aniquilada da política pelos estados totalitários bem como perguntar pelo estatuto da mesma na modernidade. Afirmar que Arendt é aristotélica e ou kantiana, bem como markssista é relegar ao nada suas obras. Ela mesma na entrevista citada acima afirma que não é nem liberal, nem de esquerda ou direita, e sim uma pensadora. Seu retorno a antiguidade é para buscar e mostrar o fenômeno originário da política, se perguntar quais as condições para que esta se desenvolva. E com isso apontar como pensar o Estado após o rompimento com o fio da tradição. Ora! Se o fio da tradição se perdeu, como fazer uma volta a antiguidade clássica como um modelo?

         O autor do artigo ainda cita que Arendt “silencia sobre a dimensão interna dos desejos republicanos”. Será que esta questão terá realmente importância num mundo em que não é a vontade que aparece mas apenas as ações dos homens? Não podemos saber da motivação interna das pessoas, mas somente o que elas falam. Ou seja, somente aquilo que aparece ou aquilo que elas fazem aparecem no Espaço Público-Político. Mais ainda, me parece que o autor esquece que em A Condição Humana temos uma reflexão sobre a modernidade, não uma reflexão que propõe a criação de um estado como em Rousseau. Ainda levantaria outros erros interpretativos fundamentais que o autor fez ao se referir, como que separando as teorias arendtianas e esquecendo totalmente e amplamente, qual o sentido do espaço público e do espaço privado nas obras de Hannah Arendt.

2 comentários:

  1. Uma boa crítica à interpretação de que Arendt seria uma saudosista do mundo clássico é a de Celso Lafer no posfacil da edição da Forense de A Condição Humana.

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  2. Obrigado, sim. Fica a indicação! Seria interessante uma reedição atualizada de A Condição Humana também! Obrigado!

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