sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Explicações


      Seria impossível para mim começar este blog sem antes explicar quais as motivações que me levaram a estudar esta grande autora. Para tal empreitada será necessário citar uma passagem de A Vida do Espírito ( Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008. p.211) em que a autora finaliza o estudo sobre a Atividade do Espírito do Pensar escrevendo sobre Sócrates:

"O que Sócrates descobriu é que podemos ter interação conosco mesmos, bem como com os outros, e os dois tipos de interação estão de alguma maneira relacionados. Aristóteles, falando da amizade, observou: 'o amigo é um outro eu' Isso significa: pode-se, com ele, empreender o diálogo de pensamento como se faz consigo mesmo. A obervação faz parte da tradição socrática, mas Sócrates diria: também o eu é uma espécie de amigo. A experiência condutora, nesses assuntos, é evidentemente a amizade, e não a individualidade; antes de conversar com os outros, examino qualquer que seja o assuntos da conversa; e então descubro que eu posso conduzir um diálogo não apenas com os outros, mas também comigo mesmo. No entanto o ponto em comum é que o diálogo do pensamento só pode ser levado adiante entre amigos, e seu critério básico, sua lei suprema diz: NÃO SE CONTRADIGA (grifo meu)".

      Certamente foi ao final do Capítulo sobre a Atividade do Espírito do Pensar que fui realmente parar para pensar e me dar conta de que Arendt não era apenas mais uma autora que eu leria. A partir realmente desse capítulo, especialmente da citação acima e da do próximo post, e ainda sem levar em conta o que representava para toda uma tradição filosófica no sentido de teoria, que aconteceu uma transformação tanto filosófica quanto pessoal em minha vida. Eu não poderia mais seguir em meus estudos de filosofia da mesma maneira que vinha seguindo até então. Que maneira é essa? Bem, essa questão irei expondo ao longo das postagens bem como em relação a minha vida.

      Comecei a ler Hannah Arendt por indicação de meu orientador de graduação, em uma aula de Ontologia, ao qual sou eternamente grato, texto o qual li mas que não fora abordado em sala de aula. Era o texto Filosofia e Política que está em A Dignidade da Política. Foi esse texto que abriu meus horizontes e que começou pouco a pouco penetrar em minha vida de estudante de filosofia. Estava estudando Descartes, mas o arrebatamento que sofri (páthos) ao ler o texto de Arendt provocou imediatamente uma paixão e como toda paixão, estava se cristalizando ´para o amor. Mas não qualquer tipo de amor. O amor baseado no diálogo, claro.

      Terminando de ler, ou melhor devorar, A Dignidade da Política, encarei de frente Origens do Totalitarismo, que claro, ainda não estava preparado, mas li. Depois li Responsabilidade e Julgamento, A Condição Humana e claro, o grande arrebatamento: A Vida do Espírito. Ao longo dos últimos três anos tenho relido essas obras, que hoje entendo como era demasiado jovem em assuntos filosóficos para perceber todas as intenções teóricas, referentes a Tradição Filosófica, que Arendt faz referência e ataca, por assim dizer, em seus textos. Claro que o fio condutor das questões, nessa época, eu já havia percebido: o totalitarismo, especialmente sua vertente nazista. Era esse evento (entraremos mais tarde no significado) que a judia alemã Hannah Arendt havia dedicado sua vida a pensar e re-pensar (conceito dela também). Evento que ela vivenciara e que foi uma quebra entre o passado e o futuro (significado que exploraremos).

      Como ela mesmo disse, não exatamente com essas palavras, em alguns textos: era impossível para mim voltar atrás. Ao término de A Vido do Espírito eu estava completamente aturdido e foi como que uma tsunami dentro do meu pensar. Finalmente eu sentia que o evento totalitário era algo sem precedentes e como que somente naquele momento eu entendia o grande esforço de Arendt de dedicar sua vida a re-pensar o que eu chamo de vergonha, de absurdo da humanidade. Estava como que gravado a ferro e brasa na minha alma: por mais que eu não tivesse presenciado o horror do estado totalitário, especialmente o de Hitler, eu também dedicaria minha vida a combater da maneira que fosse, tanto em sala de aula, como com meus amigos, os elementos totalitários presentes na sociedade atual e que como elementos, podem um dia se cristalizar novamente.

      Bem, dito isso, a próxima postagem dará início a vida propriamente dita de Hannah Arendt e poderemos juntos ir dialogando sobre o primeiro impacto do anti-semitismo (comummente entendido como preconceito contra judeus ou mesmo inimigo da cultura e da pessoas judias) na vida da pequena Arendt e de como ela se deu conta de que era judia: “foi por intermédio dos comentários anti-semitas das crianças da rua – que não valem a pena ser lembrados – que a palavra me foi pela primeira vez revelada. A partir desse momento que fui, por assim dizer, 'esclarecida'”. (Entrevista: Só permanece a língua materna que está publicada em A Dignidade da Política entre outras obras, salvo algum engano). As reflexões arendtianas ultrapassam a questão do anti-semitismo, e vão para além dela. Mas será através dela que Arendt se revelará sem dúvidas, para mim, uma pensadora que está para além de seu tempo.

5 comentários:

  1. Cristian, bela apresentação da autora! Tem uma série de elementos aí que podem ser explorados ao longo das tuas postagens...
    Que olho clínico tinha a mulher!

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  2. E mais uma coisa: tem outra forma de fazer filosofia senão essa a que você se refere - apaixonando-se? Se sim, não me avisa, porque amo estar apaixonada.

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  3. E tem paixão mais forte e aguda do que a que nos acometeu?! Pathos sofrido e reificado! Marceli, obrigado desde já pelo tempo despreendido ao ler estas simples linhas! Paixão sempre! Estar apaixonado eternamente! Obrigado!

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  4. Não, não existe, realmente, Cristian!
    Preciso de uma ajuda: uma vez você mencionou, se não me engano, um texto em que Hannah Arendt critica a concepção de texto da tradição filosófica - os filósofos não publicam o seu processo de investigação, publicam apenas os resultados.
    Procede, ou eu viajei? Se sim, qual o nome da obra (ou do texto)?

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  5. Vou verificar e te deixo no orkut. Mas penso que é em A Diginidade da Política ou mesmo em A Vida do Espírito em que ela faz a distinção entre pensar e conhecer.

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